É tempo de educar para a morte.


Dentre os desdobramentos possíveis que permite a Pedagogia Espírita, um que nos parece de muita importância para os desafios do tempo presente é a educação para a morte, em virtude da conspiração do silêncio estabelecida sobre o assunto.
A Educação para a morte nasce do comportamento de alguns personagens históricos conhecidos e outros infelizmente silenciados, que tiveram um comportamento diferenciado diante da morte.
O tabu ou história do silêncio é sempre prejudicial a qualquer discussão de idéias. Aqui neste caso não é diferente, pois o tema aturde, atemoriza e atravanca a libertação do ser que é divino, que clama por liberdade, mas não quer assumir a responsabilidade evolutiva que lhe cabe...

Philippe Áries, historiador formado pela Sourbone, após muito pesquisar manifestou seu posicionamento da seguinte forma:
"Os cientistas calaram-se, como homens que eram e como os homens que estudavam. Seu silêncio é apenas uma parte desse grande silêncio que se estabeleceu nos costumes no decorrer do século XX. Se a literatura continuou seu discurso sobre a morte, com a morte suja em Sartre ou em Genet, por exemplo, os homens comuns tornaram-se mudos, comportando-se como se a morte não existisse." (Philippe Áries, História da Morte no Ocidente, p. 228-229).
Partindo das problematizações do tempo presente, não obstante o avanço de a ciência médica permitir o prolongamento da vida-"no sentido mecânico"-(Ver Cristina e Stanislav Grof, Mitos- Deuses- Mistérios. Além da Morte- As portas da consciência, p.7.) em muitos pacientes, percebemos um verdadeiro controle da morte por parte de equipes médicas e hospitais que julgam-se no direito de exercer um poder que não lhes pertencia em outras épocas.
Há também por parte das famílias um comportamento despreparado para este momento, que faz com que um mecanismo de defesa coletivo seja estabelecido, pouco ajudando no processo que acima de tudo é educativo e importante para todos nós.
O tema morte sempre foi analisado no decurso dos séculos. Diferentes culturas pronunciaram-se: a cultura indígena- de diferentes tribos-, greco-romana, a oriental com suas diferenças, as tribos germânicas, a africana- com diferentes especificidades etc.
O ocidente decidiu tomar um rumo de distanciamento desses temas, talvez uma das razões para tantos conflitos, guerras, buscas infrutíferas, que só trazem exploração do homem pelo homem como se este fosse apenas o lobo do filósofo inglês Thomas Hobbes.
O médico Dr. Raymond Moddy Jr., também percebeu em seus estudos o tabu colocado sobre o tema morte:
"Entretanto, a despeito de todo esse interesse, ainda permanece verdade afirmar que é muito difícil para a maioria de nós falar sobre a morte. Há pelo menos duas razões para isso. Uma delas é antes de tudo psicológica e cultural: o assunto morte é tabu. ". (Raymond Moody JR., Vida depois da Vida, p.17).
Diante do que foi demonstrado, apresentaremos o que reflete a Pedagogia Espírita sistematizada primeiramente por J. Herculano Pires a respeito da Educação para a morte, cujo conteúdo pulsa no corpo da Doutrina Espírita.
Buscando fundamentar este novo tipo de vertente da educação, Herculano Pires, assim como Kardec tinha feito, resgata o pensamento e comportamento de Sócrates diante da morte, dizendo que este ato do filósofo grego foi acima de tudo educativo. Na obra Educação para a Morte, o pensador paulista trazia a tona um acontecimento envolvendo Sócrates e sua mulher:
" Quando o júri de Atenas condenou Sócrates à morte, ao invés de lhe dar um prêmio, sua mulher correu aflita para a prisão, gritando-lhe: ‘Sócrates, os juízes te condenaram à morte'. O filósofo respondeu calmamente: ‘Eles também já estão condenados'. A mulher insistiu no seu desespero: ‘Mas é uma sentença injusta!'. E ele perguntou:‘Preferias que fosse justa?'. A serenidade de Sócrates era o produto de um processo educacional: a educação para a morte". (...) (José Herculano Pires, Educação para a Morte, p. 9 ).
Podemos citar também o exemplo mais significativo de Educação para a Morte que foi o de Jesus de Nazaré. Este vivia a imortalidade da alma em seu dia a dia e por isso sabia perfeitamente que a chamada morte era apenas uma transição de uma dimensão para outra.
José Herculano Pires também foi um observador atento do comportamento de Jesus diante da morte, expressando-se:
"Há dois mil anos Jesus de Nazaré, carpinteiro e filho de carpinteiro, ensinou ao mundo os princípios da Educação para a Morte e enriqueceu seus ensinos com o seu exemplo pessoal. Exemplificou a própria imortalidade, ressuscitando seu corpo espiritual - o corpo bioplásmico que os materialistas descobriram e se apressaram a esconder da humanidade". ( Educação para a Morte, p.77).
Na obra Educação Para a Morte, embora Herculano Pires tenha estabelecido as raízes da Educação para a Morte, procurou também explicar o divisor de águas deste tema a partir da seguinte observação histórica:
"Quem primeiro cuidou da Psicologia da Morte e da Educação para a morte, em nosso tempo, foi Allan Kardec. Ele realizou uma pesquisa psicológica exemplar sobre o fenômeno da morte". ( Educação para a Morte, p. 9).
Segundo o pesquisador e espírita Hermínio Miranda, "O Livro dos Espíritos reinventou a morte".
Este impacto provocado pela obra básica do Espiritismo dividiu o espiritualismo em dois: o utópico e o científico; tendo este último surgido de uma pesquisa séria realizada a partir de uma brincadeira dos salões europeus.
O Espiritismo, de fato, inaugura um novo momento na história do pensamento humano, sobretudo e principalmente, pelo fato de partir da observação, o que lhe confere caráter científico. Logo, aborda temas antigos sob um novo prisma.
Com o concurso dos espíritos, Kardec lança um profundo debate sobre a morte em " O Livro dos Espíritos" e fundamenta mais esse assunto principalmente no livro " O Céu e o Inferno".
Após uma análise cuidadosa de " O Livro dos Espíritos" percebe-se que uma forma de nos familiarizarmos mais com este interessante tema seria direcionarmos uma atenção maior ao primo ou irmão da morte que é o sono. Este, que segundo a Doutrina Espírita é um dos estados de emancipação da alma, possibilita um acesso do interexistente - todos nós - à dimensão espiritual, levando-nos ao retemperamento e recobramento de que somos seres espirituais revestidos temporariamente de um corpo físico. Ainda que este momento de maior liberdade para o espírito esteja estreitamente ligado ao seu estado moral, estando ele inteiramente livre para decidir o que fazer e aonde ir, pode ele oferecer ao espírito uma dimensão maior de sua função na atual encarnação e também deixar o espírito cada vez mais apto para fazer uma desencarnação - experiência individual, insubstituível e intransferível, de forma mais madura.
Já no livro "O Céu e o Inferno", obra de grande valor do ponto de vista da pesquisa histórica e da observação cuidadosa de diferentes situações no pós-morte, Kardec analisa o tema transição ou passamento dizendo:
"Podemos deixar de fazer qualquer outra viagem, mas quanto a esta, tanto os ricos como os pobres terão de fazê-la e se ela for dolorosa, nem a posição e nem a fortuna poderiam suavizar a sua amargura.
Ao ver a tranqüilidade de algumas mortes e as terríveis convulsões da agonia em outras, já podemos perceber que as sensações não são sempre as mesmas, mas quem pode nos esclarecer a respeito? Quem nos descreverá o fenômeno fisiológico da separação da alma e do corpo? Quem nos relatará as sensações desse instante supremo? Sobre isso, a Ciência e a Religião se calam.
Mas porque se calam? Porque falta a uma e a outra o conhecimento das leis que regem as relações do Espírito com a matéria. Uma pára no limiar da vida espiritual, a outra no da vida material. O Espiritismo é o traço de união entre as duas.(...)". ( Allan Kardec. O Céu e o Inferno, p.144).
Kardec pontua nessa mesma obra, as duas causas principais de sofrimento da transição, ou seja, momento em que a alma é separada do corpo.
O primeiro seria o apego ao corpo. Num primeiro contato, pode parecer um assunto já resolvido, mas não está. Depois de inúmeras pesquisas, Kardec constatou que uma estreita e intensa identificação com o corpo além de ser muito freqüente, prejudica o desenlace do espírito.
Já a segunda causa seria o estado moral do espírito, ou seja, para a pessoa que procura o bem, o justo e o belo, manifestando ações construtivas na sociedade, o despertar numa outra dimensão é suave e sem maiores complicações. Isto evidencia a imagem que o Espiritismo faz de Deus: inteligência suprema e causa primária de todas as coisas. Portanto, não se mostra, mas se afirma em cada momento da vida. Logo, através de suas próprias obras. Sendo justo, não pode se contradizer nem que seja em apenas um momento. Ele estabeleceu leis naturais, imutáveis, com atenuantes, refletindo a sua misericórdia, só que deixando a cada um a responsabilidade de se autoconstruir e receber de acordo com o que tiver feito.
Enfim, acreditamos que compreender como se deu o desdobramento do tema Educação para a Morte a partir da Pedagogia Espírita, que por sua vez nasceu da Doutrina Espírita, e é talvez o seu mais puro reflexo, possa contribuir para a desconstrução da morte como mito, além de desmistificá-la, ajudando os educandos a lidarem com esta importante experiência de forma natural sem subterfúgios e de forma mais serena.
Como o Espiritismo é uma questão de bom senso, acreditamos que um comportamento equilibrado diante da morte seria não antecipá-la, nem descuidar da possibilidade desta, a mais importante das viagens a se realizar. Lutar por um mundo melhor aperfeiçoando-nos e transformar a estrutura da sociedade para que as condições de estímulo possam ser oferecidas aos novos educandos que irão aqui aportar. Estas parecem ser boas causas existenciais!
Resumindo, diríamos que o projeto educativo chamado "Vida" apresenta duas faces: vida e morte. Ambas são molas propulsoras e representam o elã divino, atraindo-nos para momentos de felicidade cada vez mais freqüentes, em que nossas faculdades divinas serão manifestadas naturalmente nas sociedades- as diferentes moradas- que são palcos para que as nossas possibilidades possam ser atualizadas no fogo das experiências existenciais...
Herculano Pires, o primeiro a sistematizar uma Pedagogia Espírita, foi também muito perspicaz falando em Educação para a Morte num contexto histórico repressivo como foi a década de 70 no Brasil e em outras partes do mundo.
Este pensador solicitava a inclusão desse tema nos programas de orientação educacional e também esclarecia sobre o que, de fato, seria uma possível educação para este momento importante da nossa história:
"Educar para a morte é preparar os homens para a passagem natural do mundo material para o mundo espiritual. Essa preparação não demanda um curso especial e rápido, mas exige um progressivo esclarecimento da realidade humana através da existência. Temos de arrancar da mente humana a visão errônea da morte como escuridão, solidão e terror, substituindo esse abantesma do terrorismo religioso pela visão dos planos superiores de que a verdadeira vida que flui para a Terra". ( Educação para a Morte, p.68-69).
O Espiritismo é uma proposta de educação e não de projetos salvacionistas mirabolantes. Por isso, a mundividência espírita pode, se assim desejarmos, dar-nos uma orientação segura para o momento de libertação do espírito de um estado para outro. É o ser inteligente buscando por meio da luta transcender a condição humana.
Assim, emerge transparente a importância do esforço, que é demonstrado em cada aula que a natureza nos fornece. Para uma lagarta transformar-se em borboleta precisa fazer esforço no casulo para ganhar asas e alçar vôo. Logo, precisamos utilizar o nosso pensamento, atributo do espírito, direcionando a vontade, uma das mais importantes faculdades do ser imortal, para asserenarmo-nos assumindo nossa posição de filhos de Deus e viajantes do universo...

Por André Parente


BIBLIOGRAFIA
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BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
FERRO, Marc. A História Vigiada. São Paulo, Martins Fontes, 1989.
FERRO, Marc. Os tabus da História.. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.
Obras gerais sobre o tema.
ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro, Ediouro, 2003.
BOZZANO, Ernesto. A Crise da Morte. Rio de Janeiro. FEB, 2002.
GIBRAN, Khalil Gibran. O Profeta. Petrópolis, Vozes, 1974.
GROF, Stanislav e Cristina. Mitos- Deuses- Mistérios. Além da Morte- As portas da consciência, Edições Del Prado, Rio de Janeiro. Fernando Chinaglia Distribuidora,1996.
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KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo, Lake, 2004.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. São Paulo, Lake, 2004.
MIRANDA, Hermínio. As Duas Faces da Vida. Bragança Paulista, Lachatre, 2005.
OSTRANDER, Sheila & SCHROEDER, Lynn. Experiências Psíquicas além da cortina de ferro São Paulo, Cultrix, 1976.
PARENTE, André Luiz P. A contribuição do educador e filósofo José Herculano Pires para a História da Educação. Monografia de Conclusão do Curso de Bacharel em História, Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 2005.2.
PIRES, J.Herculano. Educação para a Morte. São Bernardo do Campo, Correio Fraterno, 1996.
PIRES, J.Herculano. Pedagogia Espírita. São Paulo, Paidéia, 2004.

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